1. Considerações sobre a contribuição sindical compulsória
A contribuição sindical no Brasil foi criada pelo DL 2.377/40 e disciplinada pela CLT em 1943 (artigos 578 a 610) para assegurar a prestação de serviços assistenciais. Por isso, seria uma forma de manter o sindicalismo controlado pelo Estado, garantindo financeiramente sua estrutura oficial como braço do Estado na prestação desses serviços.
Nesse modelo de financiamento sindical, as vantagens trabalhistas conquistadas pelos sindicatos se estendiam a toda categoria profissional, independentemente de o trabalhador ser associado ou não ao sindicato, o que desestimula a sindicalização.
A contribuição sindical sempre foi motivo de polêmica, com uns a seu favor e outros contra, e sua extinção foi tentada no governo Collor de Mello (MP 215) e, em 2004, no Fórum Nacional do Trabalho (FNT). Foi extinta pela reforma trabalhista de 2017, sem debate e qualquer transição, sendo devida se prévia e expressamente autorizada pelos trabalhadores.
2. O custeio sindical aprovado no Fórum Nacional do Trabalho em 2004
No Fórum Nacional do Trabalho (FNT) de 2004, foi aprovada a extinção da contribuição sindical e criada a Contribuição de Negociação Coletiva, que seria submetida à apreciação e deliberação das assembleias dos destinatários da negociação coletiva, filiados ou não à entidade sindical. O seu valor não ultrapassaria 1% da remuneração mensal do trabalhador.
Porém, o Congresso Nacional não aprovou os projetos de reforma sindical do FNT.
3. Financiamento sindical depois da reforma trabalhista de 2017
Como ainda vem sendo entendido, pela reforma trabalhista permaneceu a obrigação legal de os sindicatos negociarem instrumentos coletivos e fazerem outras atuações em benefício de todos os trabalhadores da categoria, associados ou não da entidade sindical (CF, artigo 8°, inciso III e CLT, artigo 611), mas sem custeio assegurado. Com isso se enfraqueceu os sindicatos.
3.1. Nota Técnica 5 do Ministério Público do Trabalho sobre o custeio sindical
O MPT, na Nota Técnica 5/2017, assim se manifestou sobre a prevalência do negociado sobre o legislado e o enfraquecimento da representação sindical:
“Dentre os pontos elencados como inviáveis de se fixar por meio de negociação coletiva está a ‘liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho’ (art. 611-B, XXVI). Percebe-se de forma cristalina que se faz referência à contribuição assistencial, normalmente criada pelas entidades sindicais em acordos ou convenções coletivas para o financiamento das atividades sindicais no curso das negociações coletivas… Destaque-se, ainda, que, simultaneamente à extinção da obrigatoriedade da contribuição sindical sem qualquer fase de transição, veda-se que as entidades criem mecanismos de financiamento quando promovem atividades em benefício de todos os seus representados, independentemente destes serem filiados, ou não, ao sindicato. Afinal, os acordos e convenções coletivas de trabalho continuarão tendo efeito “erga omnes”, ou seja, serão aplicados para todos os representados pela entidade, sendo filiados ou não… restringe-se de forma contundente o financiamento das entidades representantes de trabalhadores, o que invariavelmente levará ao seu enfraquecimento, e, simultaneamente, concede-se o poder a essas mesmas entidades para rebaixar os padrões trabalhistas de seus representados… a extinção da contribuição sindical deve ser acompanhada da apresentação de alternativas de financiamento às entidades sindicais, como a contribuição assistencial, figura completamente compatível com o modelo de liberdade sindical proposto pela OIT, conforme estabelecido no verbete n. 363 do Comitê de Liberdade Sindical…” (grifados).
3.2. Consequências da abruta extinção da contribuição sindical
Os resultados da extinção abrupta da contribuição sindical estão em curso: demissões em massa de trabalhadores, redução de salários, corte de benefícios a esses trabalhadores, fechamentos de sub-sedes, mudanças para imóveis menores, venda de ativos, extinção de serviços destinados aos trabalhadores da categoria, entre outras providências para redução de custos, uma vez que não foi criada forma alternativa de sustento financeiro para essas entidades.
3.3. O papel dos sindicatos e a necessidade de financiamento das suas atividades
Os sindicatos são associações de pessoas, cujo objetivo é buscar a melhoria das condições de trabalho e de vida dos seus integrantes. Para fazerem face às despesas com a sua atuação, como qualquer outra pessoa ou associação, precisam de sustento financeiro por parte dos trabalhadores que representam e defendem. Assim, cabe à categoria discutir e aprovar o custeio das suas atividades em assembleias, com a presença de associados e não associados, porque de acordo com o artigo 611 da CLT todas as cláusulas sociais e econômicas conquistadas pelos sindicatos beneficiam a todos.
Desse modo, não tem mais sentido entendimento que proíbe a participação dos não associados no custeio sindical.
O fórum das discussões e deliberações sindicais são as assembleias, mais importante órgão sindical e o que nelas aprovado, na forma estabelecida nos estatutos sociais, vincula a todos. Nesse sentido:
EMENTA: “3. …. é facultado ao trabalhador manifestar sua vontade em Assembleia Geral que pode aprovar ou recusar a instituição de contribuições sindicais, sendo que a deliberação coletiva vincula a minoria, sobremodo porque a eficácia subjetiva dos acordos e das convenções coletivas de trabalho abrangem, respectivamente, todos integrantes da categoria ou da empresa, afiliados ou não à entidade sindical (grifados – Processo TRT-1 – 0000977-27.2012.5.01.0225 – 27/10/2014; des. Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva)”.
EMENTA: Contribuição assistencial. Taxa de solidariedade inerente ao custeio das despesas inerentes às negociações coletivas. Benefícios que se estendem à categoria como um todo. Princípio da isonomia. Garantia de sobrevivência da entidade sindical. Devida indistintamente por associados e por não associados (Processo TRT-15 0005860-18.2015.5.15.0000 – DC/SDC; Julgado em 22/9/2016; rel. Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani – grifados).
Se a contribuição sindical compulsória acabou e os sindicatos continuam com a obrigação de representar a categoria e a ela estender as conquistas obtidas, para o custeio das suas atividades só resta a criação de financiamento por todos os trabalhadores, não havendo qualquer ilegalidade nisso.
3.4. Posição da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho sobre o tema
A posição em referido evento teve por objetivo dar interpretação ao artigo 611-B e inciso XXVI da CLT, que dizem:
“Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: … liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho” (grifados).
Enunciado 12 da 2ª Jornada:
Título: Contribuição sindical.
Ementa: I – É lícita a autorização coletiva prévia e expressa para o desconto das contribuições sindical e assistencial, mediante assembleia geral, nos termos do Estatuto, se obtida mediante convocação de toda a categoria representada especificamente para esse fim, independentemente de associação e sindicalização. II – A decisão da assembleia geral será obrigatória para toda a categoria, no caso das convenções coletivas, ou para todos os empregados das empresas signatárias do acordo coletivo de trabalho. III – O poder de controle do empregador sobre o desconto da contribuição sindical é incompatível com o caput do art. 8º da Constituição Federal e com o art. 1º da Convenção 98 da OIT, por violar os princípios da liberdade e da autonomia sindical e da coibição aos atos antissindicais” (grifados).
A questão é de índole coletiva, como ocorre com o financiamento das demais associações e dos condomínios.
Nesse sentido, registrou o procurador do Trabalho Alberto Emiliano de Oliveira Neto, vice-coordenador da Coordenadoria Nacional Conalis do MPT (“O sistema sindical brasileiro e o fim da contribuição obrigatória”, in Reforma trabalhista na visão de procuradores do Trabalho. Salvador/BA: Editora Jus PODIVM, 2018) que:
“No mais, o requisito em questão não implica no fim da contribuição assistencial, que poderá ser estipulada nos estatutos dos sindicatos para fins de vinculação dos filiados, bem como poderá ser objeto de assembleia específica, cuja participação de todos os integrantes da categoria será o mecanismo propício à manifestação dos trabalhadores quanto à expressa e prévia autorização para o desconto” (grifados).
3.5. Recente posição do TST e do MPT sobre a autorização do novo custeio sindical
Valorizando as assembleias sindicais, o subprocurador-geral do Trabalho Luiz da Silva Flores assim se manifestou:
“A contribuição sindical fixada pela assembleia geral da categoria, conforme registrado em ata, será descontada em folha dos trabalhadores associados ou não, e recolhida em favor do sindicato, conforme os valores e as datas fixadas pela assembleia da categoria. Deve ficar garantido o direito de oposição manifestado pelos empregados, durante os dez primeiros dias, contados do início da vigência dessa ACT/CC. Presume-se autorizado o desconto em folha de todos os trabalhadores desde que regularmente convocados para a assembleia, caso aprovada a contribuição sindical. A manifestação de oposição deverá ser exercida pessoalmente e de próprio punho, na sede da entidade sindical ou perante um dirigente sindical designado” (TST – PMPP 1000356-60.2017.5.00.0000).
O entendimento do MPT foi homologado pelo vice-presidente do TST, o que representa evolução significativa sobre o papel dos sindicatos e o custeio das suas atividades.
Outros membros do MPT estão seguindo esse entendimento (Procedimento 000016.2018.15.003/3-51) e Brito Pereira, presidente do TST, considera que “os acordos entre funcionário e empregador devem prevalecer. Por outro lado, defende a importância de sindicatos atuantes no equilíbrio das relações de trabalho, algo que a reforma enfraquece“, disse ele (Jornal Folha de S.Paulo de 26/2/2018). Não existe sindicato atuante sem dinheiro para custear suas atividades.
3.6. Posição recente da doutrina sobre o financiamento sindical por toda a categoria
Essas são as palavras do professor Maurício Godinho Delgado:
A diretriz dessa jurisprudência trabalhista dominante, entretanto — ao reverso do que sustenta — não prestigia os princípios da liberdade sindical e da autonomia dos sindicatos. Ao contrário, aponta restrição incomum no contexto do sindicalismo dos países ocidentais com experiência democrática mais consolidada, não sendo também harmônica à compreensão jurídica da OIT acerca do financiamento autônomo das entidades sindicais por suas próprias bases representadas. Além disso, não se ajusta à lógica do sistema constitucional brasileiro e à melhor interpretação dos princípios da liberdade e autonomia sindicais na estrutura da Constituição da República. É que, pelo sistema constitucional trabalhista do Brasil, a negociação coletiva sindical favorece todos os trabalhadores integrantes da correspondente base sindical, independentemente de serem (ou não) filiados ao respectivo sindicato profissional. Dessa maneira, torna-se proporcional, equânime e justo (além de manifestamente legal: texto expresso do art. 513, “e”, da CLT) que esses trabalhadores também contribuam para a dinâmica da negociação coletiva trabalhista, mediante a cota de solidariedade estabelecida no instrumento coletivo de trabalho” (Direito Coletivo do Trabalho, 6ª Ed. p. 114, LTR Editora, São Paulo, maio/2015 – grifados).
3.7. O PN 119/TST, OJ 17/TST, Súmula Vinculante 40 do STF e decisão no RE 1.018.459 do STF
Com o devido respeito, resta equivocado o entendimento do PN 119 do TST, que, na vigência da contribuição sindical compulsória, não permitia o custeio sindical pelos não associados dos sindicatos, porque o seu fundamento era a existência de custeio compulsório para os não associados, o que hoje não há mais, mas todos recebem os mesmos benefícios conquistados pelos sindicatos.
A Súmula Vinculante 40 do STF não se aplica à situação do novo custeio aprovado em assembleia por todos os trabalhadores, quer porque se trata de outra contribuição, quer porque não existe mais a contribuição sindical compulsória, razão da sua criação.
Sobre a decisão no RE 1.018.459 do STF (repercussão geral), cabem ponderações: a decisão não transitou em julgado, porque aguarda julgamento de embargos declaratórios, além do ingresso de seis interessados no processo como amicus curiae. A discussão fincou-se na existência, à época, da contribuição sindical obrigatória, que não existe mais.
Ao julgar esses embargos declaratórios, o STF poderá alterar essa decisão, porque a sua eficácia se dará para o futuro, e o seu fundamento principal já não existe mais: a existência da contribuição sindical compulsória.
4. Custeio sindical nas normas internacionais da OIT
A Convenção 95 da OIT, ratificada pelo Brasil, em seu artigo 8º, item 1, define que:
“Não serão autorizados descontos sobre os salários, a não ser em condições e limites prescritos para legislação nacional ou fixados por uma convenção coletiva ou uma sentença arbitral” (grifados).
Em qualquer outro país-membro da OIT permite-se o desconto nos salários aprovado pelos trabalhadores, não individualmente, mas coletivamente, em assembleias.
5. Conclusões
Cabe aos sindicatos aprovar em assembleias as reivindicações econômicas e sociais, os respectivos instrumentos coletivos e a forma do custeio das atividades sindicais, cujas decisões obrigam a todos como ato coletivo e soberano da categoria (artigo 8º da CF, inciso I).
Os associados dos sindicatos pagarão taxas diferenciadas para custearem serviços assistenciais específicos a eles destinados.
A conduta do empregador de exigir autorização prévia individual dos trabalhadores ou de instigá-los a se oporem ao desconto das contribuições devidas ao seu sindicato pode caracterizar ato antissindical (artigo 543, parágrafo 6º, da CLT) e crime (artigo 199 do Código Penal).
Fonte: ConJur – 06/03/2018